quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Retorno...


Volto a mim
Tenho uma morada silenciosa
um porto inseguro
que de tempos em tempos revisito
de mãos vazias
de fronte úmida
...
nenhuma fanfarra na entrada de mim
ninguém no portão
nenhuma luz acesa
apenas um excesso
de espaço
...
no vazio um certo alívio me saúda ao chegar
hospitaleiro, cativante, conhecido
Ah! amigo traiçoeiro
faz-te sempre acompanhar daquela que me devora o sono
como um abutre a bicar-me os olhos
...
na escuridão do regresso
a solidão crava as unhas em meu peito e arranca fora meu coração
levantando-o como um troféu de sangue
um prêmio pela vitória paciente
...
abandono meu corpo frio quase imóvel
ao apetite desta fiel companheira
e permaneço com o pensamento fixo
certo de sua crueldade
...
mas, ai Natureza!
para meu torpor, em algum momento
percebo que minha algoz, generosa
vai pouco a pouco
me devolvendo a mim
como a mãe que expulsa o feto do conforto do ventre
mas dá-lhe a vida
...
sinto assim
um soprar fresco
que dia a dia preenche o espaço vazio
preparando-me para uma nova viagem.
A.Lia

domingo, 11 de outubro de 2009

Amar...

Aos amantes deveria ser concedida a consciência
da dimensão da beleza
da raridade do encontro
pois a vida é feita de desencontros
Alguns poucos passam a vida amando
outros tantos passam passando
O amor não segue um caminho
não tem lógica
não tem métrica
nem ritmo
é um mistério absoluto
um milagre concedido aos corajosos e desprendidos
É isso,
talvez a coragem seja o atributo necessário aos amantes
e o desprendimento a chama que serve de guia
De qualquer forma
amem amantes!
amem pela beleza,
pelo privilégio,
por nós
que passamos apenas
por toda a vida..



A.Lia




sábado, 10 de outubro de 2009

Riso...


Eu rio
mas não um riso escancarado
um riso contido
tímido
de poucos dentes
Eu queria nascer com riso fácil
farto como os seios das mulheres de coragem
Eu invejo aqueles de choro contente
em que a tristeza do riso não tem morada
pois o riso triste não é ponta de lança afiada
é veneno lento e doce
que nasce com os de pouca razão.

A.Lia




cansaço...



Meu peito está oco
um vazio tão vazio
uma escuridão tão escura
uma massa de ar fria vai se expandindo por entre os espaços apertados
do meu corpo
meu estômago
entre minhas costelas
entre o coração e o pulmão
entre os ossos e a pele
um misto de revolta
de conforto
de dor
de solidão
um silêncio gelado toma conta do meu corpo
e o véu dos incrédulos começa a descer pelos meus olhos
envolvendo minh'alma cansada.


A.Lia