sexta-feira, 2 de maio de 2008

Não durmo, nem espero dormir.

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Espera-me uma insônia da largura dos astros,E um bocejo inútil do comprimento do mundo.
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Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
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Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo
E o meu sentimento é um pensamento vazio. Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo —; Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo —; Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

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Estou escrevendo versos realmente simpáticos —Versos a dizer que não tenho nada que dizer
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Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir. Sou uma sensação sem pessoa correspondente
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Não durmo. Não durmo. Não durmo....
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Ó madrugada, tardas tanto… Vem…Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta…

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O meu cansaço entra pelo colchão dentro. Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.

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Mas não durmo.


trechos de Insônia - ALVARO DE CAMPOS

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